23 novembro 2010

Um anjo que retornou ao céu

Um dia desses eu estava passando pela rua e vi um carro da Fiat, modelo Doblô e lembrei-me de uma ex-aluna minha que era cadeirante e que os pais possuiam carro semelhante àquele que pelo qual passei e fiquei a me perguntar como estaria aquela criança, a família e tudo o mais. Dias depois me deparei novamente com carro semelhante e ainda me perguntei se era o mesmo que eu tinha visto antes ou ainda se era o carro pertencente à família da menina.

É estranho como às vezes pessoas que já há algum tempo passaram por nossas vidas reapareçam em nossa memória 'do nada'. Mas tudo bem, minha vida seguiu normalmente até que há algumas sexta-feiras atrás, minha chefe, madrinha e também grande amiga veio até mim comentando:
"__Você se lembra daquela aluninha especial, cadeirante, a ***?" e respondi:
"__Sim, me lembro, o que é que tem?"
"__Ela faleceu. Não foi agora, já tem alguns dias. Eu encontrei uma conhecida que me deu a notícia." surpresa, claro, exclamei diante da notícia,e ela continuou:
"__Me contaram que ela tinha vários problemas, não era só a questão de ser cadeirante. Ela tinha uma espécie de válvula no coração que deveria ser trocada de dez em dez anos e a mãe dela - que é médica - já estava providenciando a cirurgia. Disseram que na noite anterior à operação ela sonhou com borboletas e que contou o sonho encantada para os pais. No entanto ela não resistiu e veio a falecer."

Desde que recebi tal notícia fiquei meio anestesiada, não sei se há uma palavra para melhor expressar a sensação, mas foi por demais estranho receber essa notícia logo depois de dias pensando na menina. Eu fiquei triste, óbvio, mas também preocupada. Preocupei-me com os pais, afinal já deve ser muito doloroso perder um filho "normal", agora imagine perder uma criança que por anos dependeu inteiramente deles, uma criança que estes pais dedicaram total atenção principalmente em função de suas limitações naturais, que tiveram que mudar seu modo de viver para que ela possuísse qualidade de vida, criança esta que não mediram esforços para que vivesse a vida mais normal possível para que convivesse com outras crianças e tivesse uma infância feliz, produtiva e cercada de todo o amor que é possível um pai e uma mãe dedicarem ao seu filho.

 Tentei imaginar o vazio que estão sentindo agora. Não foi difícil, sabe? Eu que pouco convivi com este anjinho me vi comovida além do que o de costume. Acho que não é novidade que não fomos educados para a morte, mesmo sendo esse momento algo tão natural quanto o nascimento, mas talvez seja nato do ser humano sentir essa tristeza, vazio ou sentimentos afins.

Eu tenho certeza que a passagem dela por esta terra não foi em vão, certamente a mudança operada nesses pais que aceitaram com maestria o desafio de criar um filho especial é uma dádiva oferecida a poucos e uma cruz que poucos de nós seríamos capazes de carregar. Nenhuma vida é dada por acaso e tampouco é tirada sem razão. Acho que cada um de nós tem um papel a cumprir por aqui para então partirmos para outro plano bem mais próximo do que é Divino. E acredito também que ao atravessar esse momento o que carregamos são nossas experiências, lembranças, aquilo que nos fez crescer, que nos fez feliz e o que nos tornou melhores.

Isso me gerou outra preocupação. Como será que fui para ela? Será que fiquei guardada em algum lugar em sua memória? Será que pude contribuir de alguma maneira para aquela pessoa? Você já parou para se perguntar isso? Se nos encontramos hoje e você é rude comigo e logo em seguida morro, o que levarei de você junto comigo? Digo levar porque no fim das contas somos a soma de cada um que passa por nós, nossos pais, amigos, irmãos, professores, familiares...

É claro que não me cabe saber se fui ou não relevante para aquela menina, mas ela certamente foi para mim – de um jeito que não sou capaz de explicar ou expressar –, e isso me fez criar essa nova preocupação com todos os que me cercam, a preocupação de tentar sempre Somar coisas boas, de promover a paz e o amor e não o contrário, porque não se trata apenas de que memória a pessoa vai levar, isso é tão pessoal (!), mas do quanto podemos iluminar os que estão à nossa volta e do quanto um pequeno gesto ou uma palavra singela podem mudar pra sempre um coração.

Eu quero os corações e almas ao meu redor iluminados, plenos de amor e paz pois estes são os tesouros que carregamos. Quanto à minha aluninha, foi um anjo. Um anjinho que Deus permitiu perambular pela terra – não por pouco tempo –, mas o suficiente para tocar vários corações. Que ela esteja em paz, que seus pais também alcancem essa paz e que sejam capazes de seguir em frente e espalhar o amor deixado por sua linda filha. São esses os meus votos, por mais anônimos que sejam...