Semana passada participei de um encontro sobre Inovação na Academia. Um dos palestrantes, nos momentos finais de sua apresentação, compartilhou conosco um pouco de sua trajetória pessoal. Contou-nos que na época que estudava os tempos eram de vacas magras e que certa feita, havia em casa para comer, apenas uma panelada de feijão. Ao levar uma colherada à boca, percebeu algo diferente. Ao cuspir fora a refeição percebeu que uma barata havia sido cozida junto a sua refeição. Disse que naquele momento (desagradável) concluiu que haviam duas opções: 1ª - ficar com nojo, fazer vômito, colocar pra fora e interromper a refeição; 2ª - continuar a comer como se nada houvesse acontecido porque aquele feijão era a única coisa disponível para o dia e se não fosse assim, teria que suportar as dores da fome em um dia que estava longe de terminar.
Lógico que este relato me fez pensar. Fez todos os presentes naquela sala pensar. Há uma dualidade em tudo o que fazemos. Todas as situações que nos acontecem, sempre apresentará ao menos dois lados da situação, óticas diferentes. Já diz o ditado, "aos limões, limonadas", porém é tão difícil ser objetivo assim, né não? Claro que tudo depende do valor que cada um dá às coisas. Pra esse moço era mais importante não ficar com fome. Para outra pessoa talvez fosse mais interessante a não ingestão de baratas durante a refeição.
Prioridades.
Mas tudo bem. Todos temos prioridades. Elas nascem das nossas vivências, experiências, contextos sociais, culturais. Contudo, minha grande insegurança hoje é quanto a como filtrar essas tais prioridades.
Atualmente eu me vejo diante de uma feijoada, porém, por mais bem preparada que ela esteja, é como se eu encontrasse baratas o tempo todo. Eu sei que estou comendo feijoada e não baratas. Eu sei que se eu estivesse de fato comendo baratas, no dia em que eu tivesse a oportunidade de experimentar essa tal feijoada, eu a apreciaria como poucos. Ela teria um sabor "mais especial". Justamente por conta da velha dieta regrada baratas à qual eu estava anteriormente submetida.
Então, voltando às prioridades, no momento me sinto sugada por uma correnteza, incapaz de definir uma estratégia para sair dessa situação. Devo eu assumir que de fato hoje me servem feijões? Partindo desse princípio devo ser grata, louvar o fato dessa refeição. Devo olhar com orgulho aquilo que conquistei. Meus feijões são desejos de outros. Não que a ideia seja despertar inveja ou coisa assim, mas deve significar que estou fazendo a coisa certa, não?
Se por outro lado, eu assumir que hoje minha dieta é regada a baratas, instaura-se aí uma sensação de insatisfação. Um desejo de mudança; afinal ninguém quer passar a vida comendo baratas. Nesse contexto busca-se mais, engolimos seco na firme esperança de que isso é para um bem maior: feijões.
As vezes os feijões me remetem a criar raízes. Será que é hora de aquietar-me? Olhar em volta e contemplar o que foi feito até aqui? Digo isso não necessariamente num contexto conformismo do tipo "é isso aqui e pronto". É mais sobre uma perspectiva de desacelerar. De me desprender de tudo aquilo que outrem esperam que sejamos, obtenhamos. Porque vamos combinar, somos muito mais do que isso. Somos muito mais do que o salário que cai em nossa conta a cada mês, ou dos bens que vamos acumulando ao longo da vida. Uma vez, viajando a trabalho, encostada na janela do carro olhando a paisagem externa movimentar-se por horas a fio, vi uma pessoa sentada sobre uma pedra, à beira da estrada brincando com um punhado de capim na mão. Eu a invejei tanto por isso!
Não me recordo da última vez que eu me sentei em qualquer lugar (seja pedra, chão, areia ou coisa do tipo) para pura e simplesmente não fazer nada (a não ser talvez, brincar com um pedaço de capim). Entende? As vezes sinto que só preciso de um tempo assim, de contemplação. E talvez não haja carreira bem sucedida que traga esse tipo de paz de espírito. Por isso retomo a pergunta: como sabemos que é hora de hastear bandeira branca, criar raízes e curtir os feijões conquistados?
Porque vez ou outra somos assolados por esse desejo de ter e ser mais. Voar. Sair da zona de conforto, ver o que mais podemos experimentar por aí. Talvez na perspectiva de descobrir que a Vida vai além de feijões e baratas....
O que a gente faz com esses sentimentos contraditórios?
Sou assolada constantemente por essa coisa de "me cansei de depositar todas minhas expectativas naquilo que ainda vai acontecer. 'um dia terei minha casa', 'um dia vou decorar a sala do jeito que sempre sonhei', 'um dia vou fazer aquela viagem', 'um dia...'". Por outro lado, vez ou outra também chega de mansinho a outra voz. E ela diz coisas como 'você não precisa ter essa tal casa; olha que legal isso que você construiu. você não consegue ser feliz assim?', 'quem disse que você precisa se encaixar nesse modelinho que os outros dizem que é bom para você? quer sentar numa pedra e ficar brincando com um galho seco? sente numa pedra e brinque com esse galho seco!', 'viva', 'não se preocupe tanto'.
E fico pairando nesse meio termo. Ouvindo que preciso voar, preciso criar raízes, que tenho que almejar feijões pois alimento-me de baratas ou tenho que agradecer meus feijões pois poderiam ser baratas.
É sério. Eu queria tanto ser uma pessoa prática e objetiva nessa vida.
Um amigo me falou: "você sabe o que tem que fazer. mas ainda assim não faz"
Outro amigo me falou: "nós vamos chegar lá, é preciso paciência, faz parte do processo. estamos no caminho certo"
Os dois estão certos respeitado suas respectivas óticas.
Mas e eu? Onde eu fico no meio disso tudo?
Passamos a vida inteira buscando independência. Clamando pelo direito de tomar nossas próprias decisões... E aí um belo dia você chega nesse "patamar" e tudo o que deseja é alguém pudesse tomar essas decisões por você.
Depois de tanto devaneio, a única coisa que concluo é: devo fazer a tarefa de casa que a psicóloga me passou: preencher o formulário que ela me enviou com o Ciclo da Preocupação e ver se isso me leva ao menos a lidar melhor com essas inquietações.
06/10/2016