12 janeiro 2010

Dura realidade

No livro Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, o filósofo André Comte-Sponville diz o seguinte:

"A virtude ocorre, assim, no cruzamento da hominização (como fato biológico) e da humanização (como exigência cultural); é nossa maneira de ser e de agir humanamente, isto é (já que a humanidade, nesse sentido, é um valor), nossa capacidade de agir bem."
 Me chamou atenção essa afirmação porque nunca havia parado para pensar por esse lado - apesar de já ter assistido Tarzan - que nós somos resultado da combinação desses dois fatores.

Eu começei este post com essa citação, em função de uma dúvida que tem assolado minha mente já tem um tempo. Já foi citado aqui  sobre aquele polêmico - ao  menos para mim - seriado True Blood, de como ele resgata o lado animalesco do ser humano e tudo mais. E pensando nisso comecei a questionar sobre qual vantagem há em conhecer o mundo como ele é? Podemos nos tornar pessoas melhores por conhecer de perto as mazelas do mundo? Observando as barbáries que o homem comete faz de nós seres humanos mais fortes ou justos ou íntegros?

Os noticiários hoje viraram nota de falecimento ou de tragédias por todo o mundo. A coisa chegou a tal ponto que trinta pessoas perderem a vida de uma vez é algo comum. Como pode ser comum algo assim?
A verdade é que a maior parte do tempo não nos damos conta disso. Um exercício para tentar entender isso seria imaginarmos que trinta entes queridos morressem de uma vez. Doloroso, não? Quer dizer, é algo tão surreal, que mesmo tentando imaginar situação parecida, não conseguimos entender a gravidade da coisa toda.

Eu não quero defender uma visão restrita sobre o mundo atual, pelo contrário, o senso crítico deve ser sempre praticado, no entanto, vamos combinar, assistir um Jornal Nacional por semana talvez seja suficiente, já que as notícias são sempre de mesmo caráter. No post anterior, não sei daqueles que comentaram - ou não - quantos acessaram a palavra linkada 'virtudes'. Na realidade era um link do Jornal Hoje contando a história de um garotinho que virou notícia após entregar ao dono uma bolsa que havia sido perdida. A manchete diz o seguinte: "Menino devolve bolsa e dá exemplo de cidadania". E daí, você pensa: desde quando um "exemplo de cidadania" e honestidade tem que virar notícia? Isso é algo que deveria ser natural a todos, assim como hoje é natural as notícias de sequestro, roubo, atentados e assassinatos.



Concordo que precisamos sim de uns 'sacodes' de vez em quando. Para percebermos e levantar as mãos pro Céu e agradecer a vida que temos, e não apenas isso, mas sair do sofá e ir atrás de ações que estão ao nosso alcance e que irão ajudar um próximo que se encontra em situação pior que a nossa.
Eu acredito que as más notícias devam nos inspirar a praticar ações contrárias a isso, e não gerar um comodismo diante dessas situações, como vem ocorrendo.E você, como encara essa situação?

6 comentários:

  1. Virgínia, concordo com esse ponto de vista. As pessoas vão se acostumando as barbáries, se incomodando cada vez menos com os absurdos fatos que presenciamos todos os dias. Talvez seja uma forma de se defender dessa violência, uma omissão covarde e passiva de tantos abusos. Quando acordaremos desse sonho idílico de um mundo melhor e partiremos pra ação, sabendo que esse mundo melhor é construção
    *nossa!?

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  2. O que a gente faz é se alarar na hora e esquecer quinze minutos depois. Se nos tornamos seres melhores vendo as mazelas do mundo? Acho que não. A gente eestá tão acostumado com elas que nem para pra pensar se alguém sofreu por isso. É a mania de olhar pro próprio umbigo e se este não estiver com problemas, tudo bem.

    Muito boa a sua reflexão.
    Parabéns!!!
    Beijos noturnos e ensimesmados, infelizmente.

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  3. Eu quis dizer "alarmar". Meu teclado está péssimo...

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  4. Vi, respondendo ao seu questionamento, acho que eu diria que não é mesmo fácil desprender-se do passado. Uma vez uma amiga me disse que a gente nunca sai de um amor se ele não viveu tudo o que tinha pra viver, se não gastou tudo o que tinha pra gastar. Fiquei pensando nisso. Confesso que hoje em dia concordo com essa tesa. A gente insiste porque ainda vê algum sentido naquilo, ainda que ele não satisfaça mais como antes, ainda que nos permita lágrimas, dúvidas e medos. Insistimos tanto, talvez porque tenhamos perdido muito tempo investindo nessa relação. Talvez até tenhamos nos acostumado a ela. Acabamos não nos permitindo sair da história. E olha, se bobear, a gente sai e eles nem percebem, rsrsrs. É bom a gente se ferir de vez em quando pensando nisso, só pra ver se a gente aguenta essa escolha do "ficar" e acomodar-se com o pouco ou quase nada que se tem.

    Beijos, e por aí vamos, errando bem mais que acertando, mas consientes de que precisamos lutar pra mudar as coisas. Leva tempo? Sim! Muito!

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  5. Oi Vii, em primeiro lugar, gostaria de agradecer a força lá no Ordem...aos poucos minha mae está dando sinais de recuperação, mas a preocupação ainda é grande. Por isso, e por enquanto, venho a conta-gotas.

    Eu não sei onde eu vi (ou li) essa frase pela primeira vez: "Uma morte é tragedia. Dezenas estatística.".

    É claro que fiquei chocado quando vi, mas nao deixa de ter um fundo de verdade. Situaçoes como o terremoto no Haiti (so pra citar um exemplo atual) nos deixa sensibilizados, é claro, mas talvez nao mais que UMA morte de grande impacto.

    Não posso afirmar essa teoria em base em nada, mas acho que o lamento pela perda de algo querido não é algo cumulativo dentro de um ser humano. Porque? Acho que pela nossa capacidade de sofrer. Acredito que tenhamos um limite de tolerancia para a dor de uma perda. Uma vez que esse nivel é atingido, acredito que anestesiamos. Que a ficha simplesmente não cai. Ou se cai, não cai nas mesmas proporções.

    Imagine uma mãe perdendo 8 filhos de uma vez. Será que a dor dessa mãe é 8 vezes maior que a de uma que perdeu seu filho unico? Acho que não. Sinceramente acho que não. Embora sem a menor base.

    E entao chegamos a sua pergunta:

    Por que divulgar tantas tragédias se não é para nos tornarmos pessoas melhores? Acredito que seja justamente para anestesiar, para banalizar e para nos chocar enquanto sentados no sofá para não chocar tanto quando vemos acontecendo do nosso lado. Se há algo de virtuoso nessa postura eu não sei, mas é suficiente para nos aproximar cada vez mais da visão de que a morte é mais estatística que tragédia.

    Mais uma vez agradeço pelas palavras

    Beijinho

    Igor Andre
    (ordemincaos.blogspot.com)

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  6. Pois é, gente, a coisa é complicada. E nós somos mais complicados ainda! Sobre o que Igor disse de uma mãe perder 8 filhos de uma vez, lembrei-me de um caso que houve aqui, de uma mulher que perdeu marido e duas filhas num acidente. Nos primeiros dias pra ela era como se nada tivesse acontecido, tamanho foi o choque. Eu nunca perdi ninguém realmente próximo, e antes essa idéia me apavorava, mas hoje não tanto. Mas talvez o questionamento seja sobre não como encaramos a morte e as tragédias, mas sim a nossa capacidade de tirar vidas e ser mau com o próximo.

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